10.12.08

Metades

O dia raiando, passarinhos ecoando canções enquanto voam livremente pelo céu, a velhinha que vai até a padaria e sorri com sua felicidade cansada dizendo "bom dia" ao padeiro, os adolescentes (não existe descrição, estão sempre em metamorfose) indo aos últimos anos do colégio, os carros passando, o relógio continua com seu tic tac tic tac, um bebê chorando em alguma casa próxima, a vida acontecendo e eu aqui, parada, observando movimentos ouvindo sons abraçando corpos chorando lágrimas cheirando cheiros beijando bochechas sentindo sentimentos enquanto tudo parece certo, porém muito incerto. Contarei minha história, apesar de parecer um tanto quanto confusa, tentarei explicar com as melhores palavras, sem complicações, de forma simples e prática.
Ele estava lá até praticamente anteontem. Ontem, quando acordei, ele não estava mais. Até estava, mas não perto de mim. Acho que você não entendeu o que eu quis dizer. O que quero dizer é simples mas é complicado porque são coisas que acontecem, as pessoas dizem, mas você não quer que isso aconteça. Você quer que seja eterno, sabe como é?
Anteontem ele estava aqui. Estava, até me deu uma blusa engraçada de presente e ainda tirou um sarro com a minha cara. Eu fiquei feliz. Eu era feliz ao lado dele. Ríamos, chorávamos (essa parte é algo como "meia-verdade", o vi chorando apenas uma vez mas eu já chorei várias vezes naquele colo), conversávamos, trocávamos filosofias, éramos como algo que se completa - queijo com goiabada, bicicleta e roda, chave e fechadura - e caso alguma parte se quebrasse, a outra se quebraria também. Se uma parte sumisse, a outra também sumiria. Se uma parte morresse, a outra também morreria.
Certa vez, me quebrei. Em vários pedaços. Ele também se quebrou. Certa vez, ele sumiu. Eu também sumi.
Ontem ele já não estava mais aqui. Chorei sozinha pela primeira vez. Não diria sozinha, porque havia várias pessoas ao meu redor. Mas chorei sem minha metade e tive a (péssima) oportunidade de sentir a pior sensação do mundo pela primeira vez. Ele ficou mais tempo do que deveria, prendendo-se a mim, eu sei, mas eu tenho defeitos, eu sou egoísta e eu voltaria no tempo se pudesse só para poder chorar naquele colo. Eu disse que haveria uma quebra caso algo acontecesse com uma metade.
Hoje eu já não estou mais aqui. Estou sem minha metade. Estou perdida, abandonada, dilacerada e. Não há palavras. Não há.
Certa vez, ele morreu. Eu também morri.



"I look inside myself and see my heart is black" - Rolling Stones

Um comentário:

Luis D'Arte disse...

Quando um bélissimo rosto revela um cérebro funcionando a mil, meu mundo balança, sorrio atoa, agradeço a não sei quem e te ofereço meus sinceros parabéns!

Como um pressário de madrugadas inteiras a conversar eu me felicito.

Yara, essas últimas 24 horas foram curtissimas, mas acho que já aprendi bastante sobre você ;)