6.11.08

O Pacto

Ele chega atrasado. Ela estava impaciente.
- Desculpa a demora, sabe como é o trânsito.
- Pedir desculpas é fácil. Mas, vamos, o que você quer me dizer?
- É complicado de explicar assim, na lata. Quer tomar algo?
- Uma água.
Ele chama o garçom, pede a água para ela e um uísque para ele, com três pedras de gelo.
- Como eu ia dizendo, é tudo tão complicado de explicar. Nem eu sei ao certo o que quero te dizer.
- Devia ter pensado nisso antes de me chamar.
- Não importa, acho que você nunca mais vai querer ver a minha cara depois disso.
- Você é uma pessoa que eu estimo pra caralho, por maior que seja o seu erro, se você mostrar arrependimento, eu te perdôo.
- Esse é o problema.
- Hm.
O garçom chega, coloca as bebidas sutilmente sobre a mesa. Ela começa a ficar nervosa, abre a bolsa e pega seu maço de cigarros.
- Tem isqueiro?
Ele retira o isqueiro do bolso de sua calça e acende o cigarro dela.
- Obrigada. Tem cinzeiro?
Curiosamente, o garçom pega o cinzeiro de um bolso de seu avental e vai embora, calado. Talvez tenha percebido que não era bem vindo ali. Eles retomam o assunto:
- Então, como eu ia dizendo...
- Como você ia dizendo...
Ele dá o primeiro gole em seu uísque e mexe em seus cabelos num movimento quase imperceptível.
- O problema é esse, do arrependimento.
- Então quer dizer que você fez algo que vai me deixar com raiva de você e não se arrepende?
- Não, eu me arrependo. Mas talvez você se arrependa de ter passado esses anos comigo.
- É algum problema com seus filhos?
- Não.
- Com sua esposa?
- Não.
- Sua mãe?
- Não. E não adianta ficar tentando, acho que isso nunca vai passar pela sua cabeça.
Ela termina de fumar o cigarro, toma um gole de água e aparenta calma. Fica encarando-o por alguns longos segundos, tentando ler o que se passa em sua mente.
- Agora que já fez a burrada, assume. Não adianta ficar me enrolando.
- Você poderia ser mais compreensiva.
- Mais?
- Mais.
- Você quer o quê?
- Compreensão.
- Mas você mesmo disse que o seu erro foi grave. Eu tentei te dar uma chance, mas você parece não querer. E outra, eu sempre tive que esconder você de todo mundo por causa dessa sua aliança no dedo.
- Mas nós temos um pacto.
- É, o pacto, não precisa me lembrar.
- Só quis reforçar.
- Mas, me conta, o que aconteceu?
- Tive mais uma daquelas crises. Aliás, tô passando por ela. Tudo parece dar errado, acho que Deus esqueceu que eu existo.
- Não fala assim.
- Eu falo assim, sim. Porra, acontece tudo que eu não quero.
- Você tem uma família linda, um emprego legal...
Ele a interrompe:
- Mas isso não garante uma vida feliz.
Dá uma risada de desespero e também acende um cigarro.
- Eu não te entendo.
- Não pedi pra você me entender.
- Quem tava pedindo compreensão?
Ele acaba com o uísque que estava em seu copo. Olha para cima, fingindo não pensar. Não sabia como falar. A voz parecia não sair. Num impulso mal pensado, olhou para os olhos dela:
- Sabe o pacto?
- Sei.
- Eu quebrei.
Ela levanta, pega uma nota de cinco reais, coloca em cima da mesa e sai andando em direção à porta. No meio do caminho, vira-se para e ele e diz:
- Não me procura... Nunca mais.
Ele encosta sua face quente na mesa fria do bar e uma lágrima quente cai de seu frio olho esquerdo. Diz, baixinho, para o copo dela que está com seu lábio inferior desenhado de uma cor meio avermelhada:
- Eu te amo.



"Hey, you've got to hide your love away" - The Beatles

2 comentários:

Giovane disse...

=B

Não me canso de ler esse conto, amo muito.

Luis D'Arte disse...

Tão lindo e tão triste, e ao mesmo tempo: tão Visceral! Fantástico e realista, direto, muito bom mesmo!